Hormonofobia – será uma trend ou tem fundamento?
Hoje trago um post um pouco mais longo, que na verdade é uma reflexão baseada no artigo Reasons for rejecting hormonal contraception in Western countries: A systematic review, publicado em 2021 pela revista Elsevier.
Recentemente a discussão sobre o uso de medicamentos hormonais, seja para contracepção ou reposição hormonal, está em destaque, gerando debates acalorados e, por vezes, desinformação. O termo hormonofobia surge nesse contexto, refletindo o crescente receio em torno dos efeitos colaterais de tratamentos hormonais na saúde feminina.
No meu dia-a-dia sou frequentemente abordada por mulheres que estão nesse processo de reflexão, ou que já tomaram uma decisão, e procuram alternativas não-hormonais ou chamadas naturais.
Na minha prática de Medicina Tradicional Chinesa e no atendimento a estas mulheres o que eu procuro é trazer toda a informação atual sobre todos os métodos, promovendo em quem me procura uma escolha informada. Também faz parte do meu atendimento o esclarecimento mais detalhado do método natural de percepção da fertilidade, para que a mulher entenda como funciona, e como aplicar o passo a passo, que a levará a um completo reconhecimento do seu ciclo menstrual e autonomia para fazer escolhas conforme o seu momento de vida e os seus desejos.
Com este artigo quero partilhar convosco a minha visão para o futuro do atendimento de mulheres, quando chega o momento de escolher o seu método de contracepção.
O que vai aprender neste artigo:
- História da contracepção hormonal
- Prós e contras da pílula
- O que é a justiça reprodutiva
- O que é a hormonofobia
- Novas abordagens na saúde feminina
Desde os anos 90, começaram a surgir críticas sobre a segurança da pílula anticoncepcional, especialmente após a primeira geração de mulheres que a utilizou. Como resposta, as empresas farmacêuticas desenvolveram novas versões com menores doses e métodos alternativos, como implantes e DIUs hormonais, muitas vezes promovidos também como soluções para problemas como acne ou síndrome pré-menstrual.
Contudo, à medida que novos estudos revelaram riscos associados a esses métodos, os receios cresceram novamente, levantando questões sobre a real segurança dos contraceptivos hormonais. Embora a eficácia na prevenção de gravidezes indesejadas continue a ser comprovada, muitos profissionais de saúde ainda se focam apenas nos benefícios, desvalorizando os potenciais efeitos negativos na hora de prescrever.
O movimento por uma justiça reprodutiva chama a atenção para a necessidade de uma abordagem mais equilibrada, que reconheça não apenas as vantagens da contracepção hormonal, mas também as suas limitações, permitindo às mulheres tomar decisões informadas sobre a sua saúde.
A “Escolha sem Escolha” na contracepção e a importância da justiça reprodutiva
Quando o foco dos profissionais de saúde está apenas na prevenção de uma gravidez não planeada e no aborto, a orientação sobre métodos contraceptivos acaba por se tornar impessoal e pouco centrada nas necessidades da mulher. Nesse cenário, as opções contraceptivas mais eficazes são promovidas como as “certas”, enquanto as menos eficazes são vistas como “erradas”, comprometendo a autonomia feminina.
Essa abordagem coloca as mulheres numa “escolha sem escolha”, onde o poder de decisão é limitado. A justiça reprodutiva defende que a escolha de métodos contracetivos deve ser personalizada, respeitando as diferentes necessidades e preferências de cada mulher. Contudo, essa realidade ainda está longe de ser plenamente concretizada nos serviços de saúde atuais.
Por Que Cresce o Movimento de Hormonofobia?
Uma revisão recente de 42 estudos sobre este tema, revelou as principais razões por trás do crescimento da hormonofobia, um movimento de receio em relação ao uso de contracepção hormonal. As preocupações incluem:
- Efeitos físicos: Mulheres relataram alterações no corpo, aumento de apetite e peso, resultando em ansiedade.
- Saúde mental: Foram citados sintomas como irritabilidade, mudanças de humor, tristeza e até depressão.
- Sexualidade: A redução da libido nas mulheres foi uma queixa comum.
- Fertilidade futura: Muitos temem que a contraceção hormonal possa afetar a fertilidade a longo prazo.
- Sustentabilidade: A procura por métodos mais naturais e sem hormonas está em alta.
- Medo e ansiedade: O medo dos efeitos secundários e impactos na saúde, incluindo risco de cancro, é expressivo.
Essas preocupações têm alimentado o questionamento sobre o uso de métodos hormonais, levando à procura de alternativas mais naturais e maior adesão aos métodos não-hormonais
O estudo conclui que o que se observa não é um movimento de hormonofobia, mas sim uma reivindicação por justiça reprodutiva. O principal argumento é a falta de informação na escolha dos métodos contraceptivos e a ausência de uma abordagem individualizada por parte dos profissionais de saúde, que se concentram apenas nos resultados de prevenção de gravidezes indesejadas.
Além disso, experiências negativas anteriores com contraceptivos hormonais influenciam fortemente a decisão de muitas mulheres em não utilizá-los. Esses relatos de efeitos secundários são interpretados como uma perturbação do “equilíbrio natural do corpo feminino”, levando-as a buscar alternativas sem hormonas. Essa tendência está alinhada com a crescente preocupação na sociedade ocidental sobre os efeitos nocivos das tecnologias modernas e produtos químicos, resultando numa maior procura por métodos mais naturais.
Conclusão: é necessária uma nova abordagem
Perante os factos e embora muito criticadas pelas abordagens mais convencionais, essas preocupações precisam de ser consideradas durante o aconselhamento contraceptivo para garantir uma abordagem centrada no paciente – aquilo a que eu chamei de atendimento da nova era.
O processo de tomada de decisão deve permitir a autonomia da mulher na escolha do seu método, essa escolha deve ser feita perante o conhecimento de todas as opções disponíveis, quer sejam opções hormonais ou não.
A relutância sem fundamento por parte dos profissionais de saúde em prescrever métodos não hormonais não deve ser uma barreira ao direito de escolha das mulheres.
O estudo mostra que muitas mulheres sentiram a pressão de escolher um método hormonal na hora de escolher e que, quando decidiam desafiar esse incentivo, encontravam objeções tanto dos profissionais de saúde quanto do seu círculo social.
Portanto, é essencial que os profissionais de saúde reconheçam e respeitem as preocupações das mulheres em relação aos métodos contraceptivos, promovendo um diálogo aberto e informativo. Ao oferecer uma variedade de opções e respeitar a autonomia das mulheres, os profissionais podem contribuir para uma experiência de escolha mais empoderadora e menos pressionada.
O futuro do aconselhamento contraceptivo deve ser marcado pela valorização da individualidade e pelas necessidades de cada mulher, permitindo que elas tomem decisões informadas sobre a sua saúde reprodutiva, livres de estigmas ou preconceitos.
Um grande abraço,
Sofia Moradas
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